O Meu Avô João Gigante
Fabricante de Lanifícios
Há vidas que não podem deixar de ser faladas… que não nos deixam indiferentes.
Porque são feitas de feitos, de momentos mágicos, de gestos de grandeza indubitável, de conselhos perfeitos que nos deixam forte marca vida fora.
Recordo, que quando era pequenita, no dia do almoço “semanal” o meu lugar à mesa era sempre ao lado do avô João Gigante.
Gostava de me sentar pertinho dele e de o ouvir falar… e se ele falava!
Lembro-me, como se fosse hoje, o quanto gostava de o ouvir/olhar e ver os seus olhos brilhantes de orgulho… quando me explicava todos os acontecimentos importantes desse dia ou dessa semana e não interessava que tema, (política, lanifícios, os teares da fábrica, o mundo lá fora…) falava e comentava…
Hoje, embora esbatidos pelo tempo, estão ainda na minha memória “pequenos pedaços” audíveis de alguns desses “monólogos”!
Passeava muito comigo pela quinta que tinha no Ferro, muito pertinho da Covilhã e muito pequenita me levava junto à mina que lá havia, abria a porta que estava fechada e … U-uu, U-uu, Hmmm, Hum, (ecoava o eco) e contava -me baixinho a história da “Moura Encantada” que lá vivia…Olha, lá ao fundo, não a vês?
(Será por isto que ainda hoje me fascina o traje típico da mulher árabe?)
Saída do país das maravilhas, logo de seguida, me colhia uns moranguinhos do canteiro para comer (às escondidas da minha mãe, pois não estavam lavados ).
Biológicos, por sinal!
Envergonhada, num dia de vindimas, ensinava-me a reconhecer os Outros como meus iguais, com os mesmos direitos, sem idade, género ou classe social ao “enfiar-me” no lagar na pisa da uva no meio de tanto desconhecido!
Convicções que foram fortalecidas ao longo da minha Vida!
Planeava/sonhava comigo uma ida a Paris!
Tivesse eu bons resultados nos estudos e passasse para o 3º ano, (Hoje 7º ano de escolaridade) com boas notas que o dinheiro para a viagem lá apareceria! França, Paris à data … era cidade de conhecimento obrigatório. “Cantava-me” esta cidade, numa bela prosa, pintava-ma e fotografava-ma!
Cheguei a conclusão que esta era também a viagem à “sua cidade”, Paris era dele e queria que fosse minha também!
Partiu meses depois…. Numa outra Viagem, desta vez para Sempre.
Recordo com tanto carinho e saudade as suas histórias/verdades do antigamente, contadas de forma tão séria, tão sentida … (que bom, Era tão securizante!) e como eu, ansiava curiosa pelo desfecho imprevisível de mais uma história de gente grande.
Que cumplicidade havia, só nós dois, no meio de mais uns quantos!
Sempre o ouvi falar e opinar… Todas as ocasiões, por vezes, as menos pensadas, eram a altura ideal… Não havia receios de olhares ou críticas. Com ele comecei a aprender a Fortaleza! E sei ainda hoje que nada pode deter a força de quem canta com alma na voz.
Conselhos que bebia com respeito, confiança e admiração. Bebia-lhe as palavras, como que “tinha a certeza das coisas do Mundo”. Sei hoje que possuíam sabedoria e experiência.
Lembro-me ainda das vistosas e imponentes procissões da Semana Santa, na Páscoa, como orgulhoso me “ostentava” com o meu vestido de anjo na Procissão Solene do Senhor dos Passos, na Covilhã.
Era uma indumentária fantástica! A minha roupa parecia imitar o corpo e as asas dos anjos, as mangas levavam armações especiais sobre as quais esvoaçavam gases, fitas, rendas, e penas de uma brancura imaculada que a calçada longa, …ao longo do “Percurso” ia manchando. Na cabeça levava uma espécie de tiara. Os cabelos caíam soltos. Com a minha mão agarradinha à dele, marchava com o ar triunfal de quem compreendia perfeitamente a honra de fazer parte duma cerimónia assim! O passo era lento e medido, com paradas frequentes que por vezes eram aproveitadas para saborear “provocadoras iguarias de açucar”
Os nossos passeios pela quinta, onde os silêncios repousantes do entardecer das tardes quentes de Verão se misturavam com os cheiros adocicados da terra, da “nossa”figueira alta, de copa frondosa e ampla carregadinha de figos maduros. Os dois sentados no muro,… histórias fictícias, palavras inventadas, momentos únicos!
E tenho tantas saudades desse tempo, em que o tempo me deixava estar mesmo contigo… Agora animo-me com as Saudades que tenho de ti, avô do Coração!
E o tempo passou…
Hoje…também sou avó, a avó do meu querido Samuel.
E continuo a ter uma ” Moura Encantada” dentro de mim, que no eco da sua voz, me chama baixinho e me pede para te dizer que “Elas” ainda hoje aparecem frequentemente cantando e penteando os seus longos cabelos, louros como o ouro ou negros como a noite, com um pente de ouro, e prometem tesouros a quem as libertar do encanto!
Como iremos fazer isto então, Samuel?
🙂 chegue a voz do trisavô Gigante ao coração do ‘Gigantinho’!